sábado, 28 de novembro de 2009

CONEXÃO PROFESSOR

ENTREVISTA:MARIA LUIZA HEILBORN - O PERFIL DAS ADOLSCENTES GRÁVIDAS NO BRASIL.

Quem são as meninas que engravidam durante a adolescência? Como elas se comportam quando saem da maternidade? O Portal Conexão Professor entrevistou a Doutora Maria Luiza Heilborn, Coordenadora do Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), para entender qual o impacto social dessa realidade do nosso país.

Para analisar o assunto, Maria Luiza se baseou nos resultados da Pesquisa GRAVAD, sobre gravidez na adolescência, realizada em três capitais brasileiras: Rio, Salvador e Porto Alegre. Entre as entrevistadas na faixa etária de 18 a 24 anos, 29,5% tiveram filhos antes dos 20 anos e 16,6% antes dos 18 anos. Apenas 1,6% delas tiveram filhos antes dos 15 anos. Entre os rapazes, 21,4% foram pais antes dos 20 anos, 8,9% antes dos 18 anos e insignificante 0,6% antes dos 15 anos. Confira!

Conexão Professor (CP) - Quais são as causas mais frequentes para a gravidez na adolescência?
Maria Luiza Heilborn - No Brasil, a gravidez na adolescência não é um fenômeno recente; porém, há aproximadamente uma década, adquiriu uma dimensão de “problema social”, cuja gravidade justificaria uma ação efetiva por parte dos poderes públicos para controlar o que é muitas vezes chamado, equivocadamente, de epidemia. A gravidez na adolescência não é um fenômeno unicausal. Há vários fatores que concorrem para que ela aconteça.
Primeiro, os costumes sexuais mudaram muito, permitindo que moças tenham atividade sexual antes do casamento sem que isso implique desonra. Portanto, garotas entre os 15 e 16 anos fazem sexo com seus namorados. Contudo, a mudança de costumes não foi acompanhada por uma transformação no modo como a atividade sexual é pensada; ela é frequentemente entendida como espontânea, fruto da ocasião e, portanto, sem o devido acompanhamento de uma contracepção regular– seja através do uso ininterrupto do preservativo (em todas as transas) ou de qualquer outra forma de contracepção oral.

CP – O comportamento sexual dos jovens está mudando?

Maria Luiza Heilborn - O comportamento sexual está em transformação no Brasil – a média de idade para a iniciação sexual dos jovens é de 17,9 para as moças e 16,2 para os rapazes, que sempre tiveram vida sexual mais precoce, em geral iniciada com trabalhadoras sexuais. Como a virgindade feminina deixou de ser um valor central na sociedade, os rapazes estão tendo relações sexuais com moças que conquistaram o direito de transar sem esperar pelo casamento.
O problema é que, aos poucos, conforme cresce a confiança entre o casal, a camisinha é abandonada. Proteção e contracepção não deveriam estar separadas, mas tratadas como parte dos cuidados de uma relação sexual. A falta de vontade política consequente dos diferentes níveis de governo em implementar o acesso à pílula do dia seguinte é outra fonte dos casos de gravidez na adolescência que poderiam ser em menor número com informação de qualidade e acesso fácil à contracepção de emergência.

CP - O que geralmente acontece após o nascimento do bebê? A adolescente assume as suas responsabilidades de mãe?
Maria Luiza Heilborn - Principais responsáveis pelo trabalho doméstico, as moças de estratos sociais desfavorecidos ainda experimentam a cultura de valorização dos papéis de mãe e dona-de-casa como ponto central de sua identidade feminina. Ao engravidar, reproduzem o comportamento aceito tanto na família como na cultura da qual fazem parte. Tornar-se mãe é sonho e desejo de muitas moças deste perfil. A falta de perspectiva de outro projeto de vida influencia muito nessa aspiração: a gravidez antes dos 20 anos diminui na mesma proporção que aumenta o grau de instrução da moça ou do rapaz. A escolarização ampliaria o panorama profissional e pessoal, o que nem sempre se descortina diante desses jovens.
Na maioria das vezes, a jovem que engravida já saiu da escola e fica grávida do seu primeiro parceiro, que tem cerca de cinco anos a mais do que ela, uma característica das uniões no país. Embora acalentem o sonho do bebê, as mães se queixam de solidão e isolamento depois da chegada dos filhos – 72% das moças diminuíram a convivência com amigos no primeiro ano após o nascimento da criança. Este quadro é mais um reflexo das diferenças na divisão dos cuidados com a casa e com o bebê. Quando os rapazes se envolvem na gravidez na adolescência com suas parceiras, a maioria já está no mercado de trabalho, ainda que informalmente. Já às moças é atribuída não apenas a responsabilidade de “evitar filhos”, como também o árduo desempenho das tarefas da casa.

CP - Qual costuma ser a reação dos familiares quando a adolescente engravida? E a dos parceiros?
Maria Luiza Heilborn - A história de David, 22 anos, jovem de Nova Holanda, Rio de Janeiro, é exemplar. Quando começou a ter relações com “uma menina que se fazia de difícil”, esgotou em duas semanas as “cinco caixas de camisinha” que havia comprado. Suspender o uso do preservativo resultou em gravidez, bem recebida pelo rapaz. A decisão de ter o bebê foi explicada assim: “Tive vontade de ter o neném porque todos os meus colegas tinham, eu era o único que não era pai. Na época eu me sentia muito sozinho. Por mais que eu tivesse muitas namoradas, eu me sentia sozinho. Então preferi ter o neném”.
O relato de David demonstra também o processo de aceitação do bebê, quase natural para famílias de menor poder aquisitivo, nas quais a família é muito valorizada. A criança que chega é motivo de alegria e de união entre as famílias dos jovens, que auxiliam o novo casal em suas despesas e suporte financeiro. Ainda assim, a gravidez na adolescência produz impacto importante na vida desses jovens, acelerando a entrada na vida adulta.

CP - Como a escola deve abordar a questão da Educação Sexual junto aos alunos? Como vê a possibilidade do tema se tornar uma disciplina curricular ou extracurricular?
Maria Luiza Heilborn - Em muitos casos, a gravidez na adolescência é resultado do abandono do uso regular da camisinha: 70% dos rapazes e moças entrevistados declararam uso do preservativo na primeira relação sexual. Este dado indica que os resultados das campanhas de prevenção do HIV/AIDS são positivos, mas ainda insuficientes. Um dos fatores que pode mudar esse quadro é a educação sexual nas escolas, a partir de um debate franco sobre as responsabilidades que estão implicadas no direito à sexualidade. Programas e serviços de saúde voltados especificamente para adolescentes também podem melhorar as condições de acesso e informação sobre métodos contraceptivos. A abertura de horizontes de possibilidades de futuro para esses jovens é capaz de reduzir a gravidez na adolescência, dando um novo sentido às exigências de contracepção.
O debate na escola em torno da educação em sexualidade – termo mais adequado a meu ver do que educação sexual - deve-se orientar por incluir a dimensão relacional – de intercâmbio afetivo e de responsabilidades em jovem casal. Falar de contracepção para rapazes e moças com naturalidade é o fundamental. Pois, os jovens precisam saber que se uma moça propõe e dispõe de uma camisinha não é porque ela é “atirada”, “rodada” ou “experiente”, o que normalmente induz a dúvidas sobre sua moralidade.

CP - Como vê o diálogo existente entre pais e adolescentes sobre temas como sexualidade e gravidez?
Maria Luiza Heilborn - Além dos costumes, as idades também se alteraram ao longo da história. Até poucas décadas, moças nas mesmas faixas etárias hoje chamadas de “precoce” tinham filhos, o que era considerado saudável pelos médicos e normal pelas famílias. Hoje, vive-se uma mudança no entendimento social sobre a juventude – há uma expectativa de maior investimento nos estudos e de retardamento do início da vida reprodutiva. São mudanças sociais bem-vindas, mas que deveria estar acompanhadas de outras transformações que ainda não aconteceram.
Há pouca conversa sobre sexualidade em casa, nas escolas e na sociedade. O tema da contracepção não é tratado abertamente e sua discussão pública seria um reconhecimento de que as relações sexuais de jovens e adolescentes são legítimas e constituem um direito. As diferenças entre o comportamento entre rapazes e moças vão além do fato de um rapaz achar que, por ser homem, não precisa se preocupar com o assunto. Quando a aceitação social da sexualidade juvenil feminina é frágil, a aceitação social da contracepção é necessariamente ainda mais fraca.

CP - A classe social influencia na gravidez de adolescentes?
Maria Luiza Heilborn - Sim, a gravidez na adolescência geralmente ocorre em pessoas cuja situação social não está estabilizada. Não é porque elas seriam psicologicamente imaturas ou socialmente marginais, mas, antes de tudo, porque este evento se produz em um momento de transição biográfica (a adolescência ou a juventude), durante o qual a situação dos indivíduos se modifica rapidamente. Estas alterações se produzem em todos os campos da vida individual: mudanças residenciais, aquisição progressiva de um estatuto profissional, evolução da situação escolar, trajetória afetiva etc.
É impossível negar o fato de que os contextos sociais definem universos de possibilidades e de significações diferentes entre os jovens de origens distintas: os valores familiares, as condições de existência, a duração da escolaridade e as perspectivas de mobilidade social. No Brasil, as trajetórias juvenis apresentam uma heterogeneidade muito maior do que nos países desenvolvidos e comportam aspectos específicos. Entre os grupos sociais favorecidos (a alta classe média), observa-se um prolongamento da juventude com aumento do tempo de estudo, manutenção da coabitação com os pais e aquisição tardia da autonomia material. Nas classes populares encontram-se juventudes mais breves: há a passagem precoce de certos limiares sem que seja atingida uma autonomia total, em razão da precariedade das condições de vida e da árdua aquisição da autonomia residencial.
Um traço peculiar das trajetórias juvenis no Brasil é o lugar particular que ocupam a gravidez ou o nascimento de um filho, que influenciam as trajetórias, mas não são necessariamente a primeira etapa da constituição de uma unidade residencial ou de um grupo familiar autônomo. Ainda que atualmente três quartos dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos sejam escolarizados, os percursos escolares são muito heterogêneos tanto de uma classe social à outra quanto de uma região à outra do país.
Um planejamento precoce da vida sexual e a recusa em aceitar o risco de gravidez certamente acontecem juntos para as jovens com possibilidade de planejamento individual da vida em geral, (os das classes mais favorecidas social e economicamente) significando, por exemplo, um domínio das condições de vida e a existência de projetos a médio prazo que seriam prejudicados pela gravidez. O prolongamento da duração dos estudos, que no Brasil diz respeito particularmente às mulheres, pode ter um papel importante nesse sentido. Inversamente, a ausência de qualquer perspectiva escolar ou profissional, ligada a uma escolaridade bastante irregular ? um quinto das mulheres de 20 a 24 anos tiveram menos de quatro anos de duração de estudo ? não leva a considerar uma eventual gravidez como uma perturbação maior .

http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/temas-especiais-27a.asp

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